quinta-feira, 5 de maio de 2011

 

Debate da obra “Portugal e o Islão Iniciático” no Clube de Leitura



“Nada é maís demolidor, para o homem contemporâneo, do que a entropia espiritual em que é forçado a viver.”

No passado dia 26 de Março, o Sol tímido de fim de tarde banhava a sala onde, dentro de alguns minutos, se reuniriam os membros do Clube de Leitura. Uma vista esplendorosa sobre o Parque Eduardo VII saudava quem ía chegando, como um postal ilustrado desta nossa Lisboa à beira Tejo, tão distante já do seu passado islâmico. Os membros do Clube foram-se instalando, cumprimentando conhecidos e amigos, deixando-se embalar pelo melodioso oud das composições árabes clássicas que tocavam na aparelhagem. Com a humildade e discrição que o caracterizam, o Dr. Adalberto Alves aguardava o início da reunião, sentado entre a assistência, saudando todos com o seu sorriso afável.
Foi uma honra e um privilégio ter entre nós o autor da obra a cuja leitura havíamos convidado os nossos amigos neste bimestre. Sentia-se na sala um frémito de antecipação: todos queríamos ouvir o Mestre, o Poeta, aquele que tanto nos deu, ao longo dos anos, através do seu extenso e profícuo trabalho em matéria de estudos árabo-islâmicos.
Partindo de um apelo à desconstrução individual do texto escrito, viajámos com o Dr. Adalberto Alves pelo Gharb al-Andalus, pelo Outro e por nós próprios. O autor partilhou connosco o seu processo criativo e a sua visão da escrita, mostrou-nos que cada texto é, na verdade, mil textos, e que cada palavra comporta em si uma miríade de possibilidades, inteligibilidades, mistérios e revelações. Que ele próprio nada mais sabe de um texto que foi seu e que deu ao mundo, nada mais do que qualquer outro leitor. Que as palavras são de quem as lê e não de quem as escreve e que, nessa medida, a sua percepção daquele texto que ora se revela ante todos nós (ele, autor, e nós, leitores) é tão válida ou tão pouco válida quanto a de qualquer outro leitor. O apelo foi lançado: questionem! O que importa verdadeiramente é a pergunta e não a resposta, pois naquela reside a essência da verdade que se procura e que apenas se poderá encontrar se o rumo indicado pela questão for o correcto. Questionem!
Apesar da hesitação inicial, as questões foram surgindo. E os nossos amigos foram-se entusiasmando, vencendo o receio de dizer alguma inconveniência, de não saber questionar. Foram procurando em si mesmos a leitura que o texto lhes sugeria. Outros questionaram sobre esse Islão iniciático que, para muitos, é ainda uma incógnita. Uma espiritualidade que, afinal, parece ser tão nossa, mais do que se percepciona a priori, mais do que uma coisa do Outro, daquele que não se conhece e se busca fora de nós. E os paralelismos foram surgindo, as pontes que, a medo, vamos construindo entre nós e os Outros, as portas comunicantes que dão passagem aos Muitos que em nós residem, herança secular desse acervo árabo-islâmico do qual, afinal, tão pouco conhecemos.
A conversa foi-se animando, também em torno do karkadé e do hummus, na pausa para o chá. É um ritual que cultivamos e que os nossos amigos do Clube muito apreciam, quer pelos paladares orientais que vão provando (e a cultura passa, também, pela gastronomia) quer pela familiaridade com que vão quebrando a timidez e encetando animadas discussões sobre o que nos une em torno dos mundos que a literatura nos vai revelando.
A noite caiu e a animada “família” do Clube de Leitura teve que dar por terminada mais uma reunião. A cada novo livro, a cada nova discussão, são mundos que se abrem. Em cada reunião principiam novos caminhos, novas curiosidades, novas portas para lugares até então desconhecidos. É essa a magia dos livros. E desta obra do Dr. Adalberto Alves todos nós levámos para casa um património imenso e praticamente desconhecido, que está por toda a parte na nossa cultura e no nosso país, e que é tão nosso que nem sabíamos que era, também, de outrem: a profunda herança cultural e espiritual do Islão iniciático.